A discriminação consiste numa ação ou omissão que dispense um tratamento diferenciado a uma pessoa ou grupo de pessoas, em razão das suas características e/ou pertença a uma determinada raça, cor, sexo, nacionalidade, origem étnica, orientação sexual, identidade de género ou outro factor/característica – com o objetivo de limitar ou anular os de direitos, liberdades e garantias de alguém.
É necessário compreender que a existência de discriminação positiva (adoção de medidas dirigidas a grupos habitualmente discriminados, com o objectivo de corrigir desigualdades e garantir às pessoas o exercício ou o gozo, em condições de igualdade, dos seus direitos) é desejável. A discriminação positiva é uma ferramenta para atingir a equidade.
A discriminação pode manifestar-se de diversas formas, que se classificam habitualmente em discriminação directa, indirecta e assédio:
Discriminação directa: ocorre quando uma pessoa é tratada de maneira menos favorável do que outra numa situação idêntica, com base em características identitárias. É geralmente uma forma explícita de discriminação e sua motivação discriminatória habitualmente bastante clara. Exemplo: Recusar o arrendamento a uma pessoa por não ter nacionalidade portuguesa.
Discriminação indirecta: acontece quando uma regra, prática, política ou critério aparentemente neutro coloca pessoas de determinado grupo em desvantagem particular em comparação com outras. Mesmo que não haja intenção de discriminar, os efeitos práticos da medida acabam sendo discriminatórios. Exemplo: Exigir fluência numa determinada língua para um cargo em que essa exigência não é necessária, o que pode excluir candidatos estrangeiros.
Assédio: sempre que ocorre um comportamento relacionado com as características de uma pessoa ou grupo de pessoas, que tenha como objetivo ou o efeito de violar a dignidade de determinada pessoa ou grupo de pessoas e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante, desestabilizador ou ofensivo.
Não existe uma definição única e universal de crime de ódio, tendo a sua conceptualização académica evoluído e sendo as definições legais (quando existentes) variáveis e limitadas.
Ainda assim, certas condutas, motivadas por preconceito ou ódio, configuram um crime à luz do ordenamento jurídico onde ocorreram e por isso, podemos entender crimes de ódio como:
“Qualquer ato criminoso, nomeadamente contra pessoas ou bens, no qual as vítimas ou o alvo do crime são selecionados em razão da sua ligação (real ou percecionada), laços, afiliação, apoio ou associação reais ou supostas a um determinado grupo” (OSCE/ODHIR, 2006).
As definições têm evoluído no sentido de entender que o que fundamentalmente caracteriza um crime de ódio é o preconceito relativo à pertença da vítima a um determinado grupo social, e não à presença de ódio por parte do perpetrador. É também importante considerar-se não apenas aspetos individuais da vítima selecionada, mas também aspetos relacionados com as dinâmicas sociais e políticas, históricas ou contemporâneas, dinâmicas de poder dentro da sociedade que atribuem privilégios, direitos e prestígio de acordo com grupos biológicos ou sociais, sendo os crimes de ódio expressões contra quem não pertença a tais grupos (Sheffield, 1995).
Neste entendimento, poderemos considerar que qualquer crime cometido por motivo discriminatório em relação à cor de pele, etnia, origem nacional, religião, género, orientação sexual, identidade de género, idade, doença, deficiência ou qualquer outra característica da vítima, é um crime de ódio. Poderá ser também considerado crime de ódio, quando os actos são cometidos contra pessoas que defendem os direitos ou trabalham para apoiar as pessoas antes referidas.
Toda a expressão negativa acerca de um grupo ou de um indivíduo, que difunde, incita, promove ou justifica o ódio, a hostilidade ou a violência contra uma pessoa ou grupo com base na sua identidade percebida e e/ou características (origem étnica, cor de pele, nacionalidade, religião, género, identidade de género, orientação sexual, deficiência, bem como aos defensores dos direitos humanos e aqueles que apoiam a defesa de direitos destes grupos e a promoção de valores democráticos). As expressões assumem a forma verbal, escrita e/ou simbólica e têm como objectivo discriminar, excluir, desumanizar e incitar à violência.
Actualmente e devido à facilidade e rapidez de disseminação, à possibilidade de anonimato e à falta de regulamentação o meio mais comum de propagação de discurso de ódio é a internet, sendo frequente em redes sociais, aplicações de mensagem, fóruns e comunidades online, vídeos, live streaming e podcasts.
O discurso de ódio pode ou não ser crime dependendo do contexto em que foi proferido e da legislação do país.
Em Portugal a discriminação é proibida por lei, o que não significa que seja criminalizada. Na verdade, em Portugal, tal como em muitos outros países, a maioria das situações de discriminação são consideradas ofensas “menos graves” – civis ou administrativas – e não crimes.
Assim, consideram-se práticas discriminatórias as acções ou omissões, que, em razão de uma característica, violem o princípio da igualdade. Estas práticas são consideradas contraordenações[i] (e não crime). Aqui incluem-se:
1. A recusa de fornecimento ou o impedimento de fruição de bens ou serviços; 2. O fornecimento ou a fruição desfavoráveis de bens ou serviços; 3. O impedimento ou a limitação ao acesso e exercício normal de uma actividade económica; 4. A recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis; 5. A recusa ou a limitação de acesso a locais públicos ou abertos ao público; 6. A recusa ou a limitação de acesso aos transportes públicos; 7. A recusa ou a limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados; 8. A recusa ou a limitação de acesso a estabelecimentos de ensino, públicos ou privados; 9. A constituição de turmas ou a adopção de outras medidas de organização interna nos estabelecimentos de ensino público ou privado, segundo critérios discriminatórios; 10. A adopção de prática ou medida por parte de qualquer empresa, entidade, órgão, serviço, funcionário ou agente da administração directa ou indirecta do Estado, das regiões autónomas ou das autarquias locais, que condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito; 11. A adopção de acto em que, publicamente ou com intenção de ampla divulgação, pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, emita uma declaração ou transmita uma informação em virtude da qual um grupo de pessoas seja ameaçado, insultado ou aviltado por motivos de discriminação em razão da deficiência; 12. A adopção de medidas que limitem o acesso às novas tecnologias. Nota: Esta lista não inclui todas as práticas discriminatórias proibidas pela legislação portuguesa. Para informação mais específica relativa a determinados grupos, deve ser consultada a legislação. |
Em Portugal as práticas discriminatórias no âmbito laboral também são proibidas pelo Código do Trabalho.
Existe também legislação especifica relativa ao combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos,
No entanto, a legislação portuguesa não contempla o conceito de crime de ódio. Da mesma forma, não estão previstos no Código Penal Português os crimes de Racismo, Xenofobia, Homofobia ou Transfobia.
Ainda assim, determinados actos cometidos por motivo discriminatório são considerados crime e alguns crimes são agravados na pena, se forem cometidos por motivo discriminatório:
Todos os outros crimes quando cometidos por motivo discriminatório, são punidos enquanto crime, mas não enquanto acto discriminatório (não tendo geralmente sequer em conta a sua motivação). Neste sentido, uma pessoa vítima de ofensas verbais com teor racista, poderá apresentar queixa pelo crime de injúria.
A APAV defende que a legislação penal relativa à discriminação seja melhorada, nomeadamente de forma a que o código penal possa penalizar de forma directa todos os crimes cometidos por motivo discriminatório. Paralelamente defende que a legislação contraordenacional e sobretudo a sua aplicação, seja profundamente revista e melhorada.
Legislação relevante:
[i] O que é uma contraordenação? Para além do comportamento violador de normas que é considerado crime, também existem outros comportamentos violadores da lei a que é dada menor relevância por serem considerados menos graves: as contraordenações, puníveis com coimas e processadas em entidades administrativas com recurso para os Tribunais. Uma contraordenação é uma infração punível com uma sanção pecuniária denominada coima, que não é convertível em prisão.
Qualquer pessoa pode ser vítima de discriminação e/ou de actos violentos cometidos com motivação discriminatória. Algumas formas de discriminação, embora menos frequentes actualmente, continuam a afetar significativamente mulheres, impossibilitando ou condicionando o exercicio dos seus direitos de forma igual à dos homens. Outras formas de discriminação têm vindo a tornar-se mais visíveis, por exemplo as que afectam pessoas idosas ou pessoas em situação de sem-abrigo.
É importante, no entanto reconhecer que em Portugal, a maiorias das vítimas são alvo de discriminação e actos de violência discriminatória porque pertencem (ou são percebidas como pertencendo) a determinados grupos ou comunidades que são em geral discriminados, sujeitos a humilhações, exclusão e marginalização e tendem a ser vistos como “diferentes” ou “menos que” uma norma socialmente estabelecida, nomeadamente:
A melhoria da recolha sistemática e consistente de dados estatísticos sobre a discriminação em Portugal é fundamental para que se perceba de forma clara quem são as vítimas e se criem melhores mecanismos que lhes garantam proteção e apoio.