Porque é que uma vítima se mantém numa relação violenta?

Por vezes, as pessoas perguntam-se por que razão uma vítima de violência doméstica não sai da relação e não procura ajuda. A verdade é que este é um fenómeno complexo, influenciado por diversos fatores emocionais, psicológicos, económicos e sociais.

Algumas das razões pelas quais as vítimas permanecem numa relação abusiva incluem:

  • Medo e ameaças por parte da pessoa agressora, que é uma das razões mais comuns. Muitas vezes, a pessoa agressora ameaça causar danos físicos, ficar com a guarda dos filhos ou até cometer suicídio ou homicídio caso a vítima tente sair da relação.
  • Dependência emocional em relação à pessoa agressora, podendo continuar a ter sentimentos por aquela e acreditar que ela pode mudar. O ciclo de violência, que alterna entre períodos de “arrependimento” e “lua de mel”, alimenta uma falsa esperança de que as coisas melhorarão, o que faz com que a vítima permaneça na relação, à espera de uma mudança.
  • Dependência económica que muitas vítimas têm em relação à pessoa agressora, temendo não conseguir sustentarem-se a si próprias, ou às/aos filhas/os, se saírem da relação, principalmente quando não existe um suporte familiar ou de pessoas amigas.
  • Isolamento social enquanto ferramenta usada frequentemente pela pessoa agressora, existe o afastamento a vítima da família e amigos, fazendo com que se sinta isolada e sem apoio para sair da relação. Isso mantém a vítima dependente, fazendo-a acreditar que a pessoa agressora é o seu único suporte.
  • Baixa autoestima e culpa: a vítima pode sentir-se culpada pela situação e acreditar que merece a violência, especialmente quando é manipulada para pensar que é a causa dos problemas na relação.
  • Falta de informação e apoio:– a vítima muitas vezes não tem acesso à informação sobre os seus direitos ou aos recursos de apoio disponíveis. A falta de conhecimento sobre onde procurar ajuda ou o medo de não ser acreditada pode manter a vítima numa situação de violência. Sem o suporte adequado, torna-se mais difícil tomar a decisão de sair da relação.
  • Pressão social e cultural: em algumas culturas e contextos sociais, a vítima pode sentir uma pressão para manter a relação, devido à vergonha, ao estigma ou à ideia de que a família deve permanecer unida a todo o custo. A sociedade, muitas vezes, exerce uma pressão sobre a vítima, fazendo-a acreditar que a separação é inaceitável, o que dificulta a sua decisão de sair da relação abusiva.
  • Filhos em comum: quando há filhos na relação, a vítima pode sentir-se presa pela responsabilidade de manter a família unida. Em algumas culturas e contextos sociais, a pressão para não se separar pode ser ainda maior, devido à ideia de que a separação vai prejudicar os filhos. O medo de que a criança seja afetada pela separação ou de perder as responsabilidades parentais pode levar a vítima a permanecer na relação, mesmo em situação de abuso.
  • Normalização da violência: em algumas situações, a vítima pode começar a aceitar a violência como parte da relação, especialmente se esta for uma constante ao longo do tempo. A repetição de comportamentos abusivos pode fazer com que a vítima se sinta que isso é “normal” ou que faz parte da dinâmica do relacionamento, dificultando a perceção de que está a viver uma situação de abuso e impedindo-a de procurar ajuda.

O Ciclo da Violência Doméstica

A violência doméstica funciona como um sistema circular – o chamado Ciclo da Violência Doméstica – que apresenta, regra geral, três fases:

Este ciclo distingue-se pela sua continuidade ao longo do tempo, manifestando-se através de uma repetição sucessiva ao longo de meses ou anos. Com o passar do tempo, as fases de tensão e de apaziguamento tendem a encurtar, enquanto os episódios de violência se tornam mais intensos. Normalmente, este padrão de interação acaba por retornar ao ponto de partida. Em situações extremas, pode culminar em homicídio.

As oscilações de comportamento da pessoa agressora geram um impacto emocional e cognitivo na vítima, dificultando a sua capacidade de terminar a relação. Esta dificuldade decorre da alternância entre momentos em que a vítima acredita na existência de amor e outros em que vê uma possibilidade real de mudança por parte da pessoa agressora. A esperança na transformação da pessoa agressora é reforçada pelo desejo de fazer o relacionamento funcionar, pela valorização de características positivas na/o companheira/o e, frequentemente, pela convicção de que ainda há amor entre ambos.