Independentemente da experiência vivida, superar a situação de Violência Doméstica é um processo de recuperação que pode levar tempo, mas a adoção de algumas estratégias pode ajudar as vítimas neste processo.

Como exemplo de estratégias para recuperar a segurança e o bem-estar das vítimas, pode pensar-se em:

  • Priorizar a sua segurança, se necessário e possível, mudando de casa ou reforçando a segurança da residência atual (ex.º alterar fechaduras, instalar câmaras de vigilância)
  • Reconhecer que a recuperação é um processo, permitindo-se ter tempo e aceitando que, neste processo, pautado por oscilações emocionais, está a tentar gerir o fim do contacto ou da relação com a pessoa agressora
  • Procurar apoio junto de pessoas de confiança, bem como de profissionais: o apoio de pessoas de confiança (família, pessoas amigas) não substitui o apoio especializado que a APAV pode prestar, e vice-versa.
  • Reconstruir as relações sociais: se perdeu o contacto com familiares ou amigos devido à situação de violência, é importante tentar restabelecer essas conexões de forma gradual.
  • Retomar o controlo da sua própria vida, explorando atividades que lhe sejam prazerosas, como praticar exercício físico, investir em novos projetos ou desenvolver novas competências.

Sair de um ciclo de violência não significa apenas afastar-se da pessoa agressora, mas também reconstruir-se enquanto pessoa. Estruturas especializadas como a APAV estão disponíveis para a/o ajudar a reconstruir uma vida sem violência.

Voz das Vítimas

Sou prova de que é possível recomeçar

Vítima de violência doméstica durante 59 anos, 1 mês e 5 dias, só quando sentiu que a sua vida corria verdadeiro perigo é que decidiu pedir ajuda. Procurou a APAV com a consciência de que podia “perder a vida a qualquer momento”. A denúncia foi o ponto de viragem.

Após esse passo decisivo, foi de imediato acolhida numa Casa de Abrigo. Ali, encontrou muito mais do que um espaço seguro: descobriu uma rede de apoio marcada pela escuta, pela orientação e por uma solidariedade que, segundo as suas palavras, jamais imaginara possível. “A maior prova de amor e solidariedade humana encontrei aqui: uma família que me sabia ouvir, que sabia orientar-me.”

Ao longo das semanas seguintes, iniciou o difícil processo de reconstrução da sua identidade, sempre com os filhos no pensamento.

Entre memórias de anos de abusos – como aquele dia em 1987 em que o agressor lhe partiu o nariz -, nunca deixou de acreditar: “Nunca perdia a esperança: pensava sempre que queria viver!”

No dia seguinte ao acolhimento, quando lhe perguntaram se tinha conseguido dormir, respondeu com simplicidade e emoção:
“Tem piada, eu dormi toda a noite. Senti-me sempre muito segura convosco.”

Hoje, recuperou o controlo sobre a sua própria história. “Hoje tenho uma vida própria. Sou eu.” Recorda com emoção o momento em que lhe perguntaram, no dia seguinte ao acolhimento, se tinha dormido bem: “Tem piada, eu dormi toda a noite. Senti-me sempre muito segura convosco”

Para quem ainda vive em silêncio, esta mulher deixa um apelo de esperança: “Não tenham medo. Agarrem-se a quem vos pode ajudar “

Hoje, vive em liberdade e com dignidade — e com a certeza de que pedir ajuda à APAV foi a decisão que lhe salvou a vida.

Punho a bater numa parede

O papel de pessoas amigas e familiares

O apoio inicial de um/a familiar ou pessoa amiga pode ser crucial para que a vítima de violência doméstica quebre o silêncio e procure ajuda. As situações de Violência Doméstica podem fazer com que as vítimas se sintam isoladas, com medo e sem alternativas, achando que têm de lidar sozinhas com a situação. A existência de familiares e pessoas amigas que possam escutar sem julgamentos, oferecer apoio e incentivar a procura de ajuda pode ser fulcral para a vítima sair do ciclo de violência.

O silêncio facilita a continuidade da violência e não protege as vítimas. Pessoas amigas e familiares podem ser determinantes para quebrar este ciclo.

Como posso saber se um/a familiar ou amigo/a está a ser vítima?

Nem todas as vítimas de Violência Doméstica vão confidenciar a pessoas amigas ou familiares estarem numa situação de vitimação.

No entanto, podem apresentar algumas mudanças que podem ser indicativas de que algo está a acontecer:

  • Mudanças emocionais, como nervosismo excessivo, depressão ou medo constante, especialmente se o medo se dirige a uma pessoa em específico
  • Isolamento progressivo, afastando-se de pessoas amigas e familiares sem motivo aparente;
  • Ansiedade extrema em relação à opinião ou reações daquela que pode ser a pessoa agressora (ex.º companheiro/a, namorado/a, pais, filhos/as);
  • Marcas físicas inexplicáveis ou mal justificadas, como nódoas negras, cortes ou queimaduras, especialmente em zonas que dificilmente poderiam ser acidentais (ex.º pescoço).

Caso conheça a pessoa agressora, também poderá observar alguns comportamentos que podem indiciar que adota comportamentos abusivos para com a vítima, nomeadamente:

  • Humilhar e desvalorizar a vítima, mesmo na presença de outras pessoas;
  • Controlar a relação de forma autoritária, impondo ordens constantes;
  • Restringir a liberdade da vítima, decidindo sobre o seu dinheiro, contactos e saídas sociais.

O que posso fazer se suspeitar que um/a familiar ou amigo/a está a ser vítima de Violência Doméstica?

Quando nos apercebemos de que alguém de quem gostamos muito pode estar numa situação de violência, pode ser difícil de gerir. Por um lado, queremos agir; por outro, podemos sentir receio de colocar a pessoa em maior risco ou, por outro lado, afastá-la ainda mais. Se suspeitar que um/a familiar ou amigo/a está a ser vítima é importante considerar as seguintes ações:
  • Abordar de forma discreta a vítima, perguntando se está tudo bem consigo ou direcionando a questão para aferir se é vítima de violência (ex.º “tenho notado que estás mais distante… passa-se alguma coisa?” ou “reparei que tens umas marcas nos teus braços… aconteceu algo que me queiras contar?”);
  • Caso a vítima lhe relate, por sua iniciativa, uma situação de Violência Doméstica, valorize o seu pedido de ajuda e mostre-se disponível (ex.º “lamento que estejas a passar por isso, mas estou aqui para te ajudar”);
  • Procure perceber com a vítima o que é que considera importante fazer e de que forma perspetiva a sua ajuda enquanto familiar ou pessoa amiga (ex.º “de que forma achas que te posso ajudar?”);
  • Respeite a vontade da vítima, incentivando-a a tomar decisões e não impondo soluções;
  • Ouça a vítima, sem pressões (isto é, sem a obrigar a falar mais do que aquilo que ela pretende naquele momento) e sem julgamentos – não diga frases como “porque é que não disseste nada antes?” ou “não achas que também tens culpa nisto?”;
  • Procure avaliar se existe risco imediato para a sua vida ou integridade física (ex.º com ameaças recorrentes de morte, uso de armas), ou de eventuais outras vítimas (ex.º crianças). Se for o caso, pode contactar 112 ou dirigir-se imediatamente às autoridades policiais para relatar a situação de imediato e providenciar pela segurança das vítimas.
  • Sugira à vítima o contacto com a APAV, informando-a das suas valências, e oferecendo-se para a acompanhar neste momento;
  • Caso verifique que a vítima não quer agir e a situação continua a acontecer, pode denunciar a situação de violência às autoridades policiais ou ao Ministério Público;
  • Enquanto pessoa amiga ou familiar pode também beneficiar do apoio da APAV.
A Violência Doméstica é um crime público e não deve ser ignorado. O seu apoio pode fazer a diferença e ser o primeiro passo para que alguém saia de uma situação de violência. A APAV está disponível para ajudar.

O que não devo fazer se suspeitar que um/a familiar ou amigo/a está a ser vítima de Violência Doméstica?

Ao descobrir que alguém de quem gostamos está a ser vítima de Violência Doméstica, ainda que com as melhores intenções, podemos adotar comportamentos que afastam a vítima de um pedido de ajuda ou a colocam em maior risco.

Assim, se suspeitar que um/a familiar ou amigo/a está a ser vítima, é importante que:

  • Não ignore a suspeita que tem: se acha que algo está a acontecer, intervenha. O silêncio não protege as vítimas; apenas dá espaço às pessoas agressoras para continuarem e até aumentarem a violência exercida;
  • Não imponha decisões à vítima: a vítima pode apresentar confusão e indecisão sobre os passos seguintes, mas é a vida, segurança física e emocional dela que está em causa. É essencial, para pôr fim à violência, que a vítima faça as suas próprias escolhas;
  • Não culpabilize a vítima: a única pessoa responsável pela existência da violência é quem a pratica. Não faça comentários que possam insinuar que a vítima é, de alguma forma, responsável pelos atos (ex.º “também não estiveste bem ao fazer isto…”) ou pela sua continuidade (ex.º “e deixaste isto chegar a este nível?”);
  • Não se mostre desapontado/a se a vítima não aceitar o seu apoio, seguir os seus conselhos ou voltar a contactar com a pessoa agressora;
  • Não tente mediar conversas ou encontros entre a vítima e a pessoa agressora: a Violência Doméstica não é um problema de comunicação, mas sim de desequilíbrio de poder;
  • Não confronte a pessoa agressora: isso pode significar um risco acrescido para a vítima e para si próprio/a.

 

Apoiar uma vítima de violência doméstica não significa resolver a situação por ela ou “salvá-la”, mas sim oferecer um espaço seguro, sem julgamentos, onde possa encontrar apoio. É essencial compreender que sair de uma situação de violência pode ser um processo difícil, perigoso e demorado. Ter paciência, respeito e conhecimento dos recursos disponíveis pode fazer toda a diferença na vida da vítima.